Na revista eletrônica Acho Digno, número 7, você teve a oportunidade de ler um pouco sobre o trabalho da MC Priscilla Feniks. Agora, você poderá conferir a nossa entrevista com essa moça talentosa. Boa Leitura!
Acho Digno: Como entrou no
meio artístico?
MC Priscilla Feniks: A minha relação com o meio musical é anterior ao
hip hop. Como em minha casa meu pai e irmão são músicos, então essa interação
veio mais cedo. Fazia poesias desde nova, e tentava entender os compassos para
encaixar essas poesias em música. Acho que quando tinha uns 14 anos, lembro que
me interessava muito pelos instrumentos do samba em particular o pandeiro. Lá
em casa tinha pandeiro, banjo, tamborim, cavaco... E aprendi com uns meninos da
escola a tocar, e sempre que dava formávamos rodas de samba e nos divertíamos
pra caramba. Hoje já nem sei tocar mais nada, mas ainda tenho meus pandeiros e
tamborins. Quando comecei a ver o movimento do hip hop, escutar uns sons no
rádio, achava louco o pessoal que dançava. Daí que me apresentaram a B.Girl
Cris que me passou uns passos de dança, depois de muita ideia porque precisava
entender os fundamentos e o compromisso, antes de tudo. Depois que fui voltar a
fazer minhas letras e montar meus raps. Pra mim foi meio que natural, toda essa
construção mais artística. Mas essa questão de ligar a ação artística com uma
preocupação mais social veio mesmo quando percebi que em algumas situações
estava me culpabilizando enquanto mulher, então fui ler e entender que eu era a
vítima. Isso aconteceu no mesmo período em que conheci o hip hop.
Acho Digno: Como foi a sua trajetória do Sul até os dias de hoje vivendo na
metrópole do estado brasileiro, São Paulo?
MC Priscilla Feniks: Toda a minha base de construção dentro da cultura
hip hop está na região Sul. Foi o lugar onde nasci e renasci, e também onde
surgiu a minha “inclinação” em aliar o rap com a articulação nos movimentos
sociais e políticos (não partidários). Essa vivência nos movimentos que
constituíram a minha forma de fazer rap e são o meu embasamento de evolução e
conteúdo. Em Porto Alegre, tive a honra de conhecer e ser “iniciada” por
mulheres maravilhosas, como a B. Girl Cris, a grafiteira Little e a MC Flor do
Guetto. Já conhecia o rap, já conhecia os bailes, mas essas pessoas que
fortaleceram para que eu pudesse entender a cultura hip hop e sua essência. Com
MC Flor do Guetto, Denise das Anastácias e outras meninas, iniciamos a Fenix
Cultural que foi nossa porta de protagonização enquanto hip hop feminino. Cada
uma tinha uma história, mas que se fortalecia com essa união de saberes e
ações. Através desta iniciativa, muitas conquistas foram feitas, como por
exemplo, a Cidade Hip Hop no Fórum Mundial de 2005, que nos rendeu até uma
matéria super bacana na Revista Rap Brasil. Muitas realizações foram feitas em
prol à profissionalização dos integrantes da cultura hip hop. Antes de chegar a
São Paulo, recebi um convite para trabalhar com a ONG Cisane e participar de
atividades da Cufa no Rio de Janeiro, que também foi um aprendizado incrível.
Foi no Rio de Janeiro que a carreira artística tomou mais corpo, sendo possível
encarar um estúdio de gravação profissional e até subir no palco do Teatro
Rival. Ainda no Rio, realizava alguns shows em São Paulo e participação em
diversas conferências. A partir disso surgiu proposta para a ida para São
Paulo. Em São Paulo, as oportunidades eram maiores e pude desenvolver não só a
minha arte quanto protagonizar ações dentro da cultura. Foi o caso do Baile
Soul Brasil, realizado de 2008 a 2010, realizado em plena rua – uma das mais
importantes na história da cultura hip hop: a Rua 24 de Maio. Em 2013 foi
possível o lançamento do primeiro álbum, chamado Só a Gente Sabe, gravado e
mixado nos Estúdios Tonelada e KF Studio, por E-Beilli. Agora a expectativa é
partir para as gravações dos videoclipes de duas músicas deste CD e iniciar as
gravações do segundo disco trazendo novas estéticas musicais.
Acho Digno: Como se faz o
movimento hip hop feminino? Ainda é um universo muito masculino?
MC Priscilla Feniks: O hip hop feminino é aquele protagonizado por
mulheres, claro. Não acredito que haja uma outra diferenciação do que é feito
pelo hip hop masculino, apenas existem questões vivenciadas pela mulher e que
refletem nas letras dos raps, ou talvez em uma forma particular de dançar, ou
de discotecar e nas mensagens passadas através do grafitti.
O hip hop ainda é um universo mais masculino, mas
hoje existem muitos grupos femininos. A proporção ainda é menor, a quantidade
de grupos femininos que surgem com relação aos grupos masculinos. A questão é o
hip hop ainda ser um universo machista, que é diferente. O hip hop também já
foi um universo mais masculinizado, antigamente, as mulheres se masculinizavam
bastante para fazer a sua arte. Mas hoje já mudou bastante. Agora o universo
ainda é muito machista, e a meu ver, é muito contraditório com relação às
ideologias dessa cultura. Chega a ser hipocrisia. Ainda estamos em uma fase de
enfrentamento, em todos os estados brasileiros, e que isso torna mais crítica
as relações entre os gêneros dentro da cultura. Um opressor resiste quando o
oprimido se levanta. Já temos esses exemplos na história. Mas é fato que a
mulher vem resistindo e se fortalecendo através de diversos coletivos e frentes
de empoderamento.
Acho Digno: Há parceria entre as mulheres desse movimento? E como é a relação com
os homens do movimento?
MC Priscilla Feniks: Sim, existe. Não posso dizer que seja uma parceria
entre 100% das mulheres, mas existem coletivos que vem se organizando
positivamente. Existe a Frente Nacional de Mulheres do Hip Hop que busca
aglutinar e unir todas essas mulheres e suas ações, de forma a fortalecer o
empoderamento e protagonização delas. A intenção é de que a cada ano, mais
mulheres possam agregar com essa Frente, que atinge não só os estados
brasileiros, mas outros países. A FNMH2 não é uma constituição jurídica, nem um
“coletivo único” ou “grupo” apesar de agir coletivamente. É uma rede articulada
de mulheres para fortalecer o hip hop feminino e para abrir espaços, garantindo
a equidade de gênero. Quanto aos homens, ainda entram em choque. As redes
sociais contribuíram muito para que nós, mulheres do hip hop, pudéssemos nos
organizar e articular nacionalmente, em busca de mais espaços e respeito dentro
do hip hop. Existem homens que apoiam ou contribuem diretamente, existem homens
que acham que o hip hop não é pra mulher, e existem homens (a maioria dentro da
cultura) que não apenas acham que não é pra mulher como fazem de tudo para
enfraquecer as redes, limitar espaços e invisibilizar o protagonismo do hip hop
feminino. Assim como as lutas do hip hop contra o racismo no Brasil, e muitos dos
mesmos protagonistas do hip hop usam de todas as estratégias para estigmatizar
e enfraquecer as mulheres de uma forma bem mascarada. Este projeto, inclusive,
surgiu em uma tentativa de abrir espaços, uma vez que em espaços que já estavam
dominados por homens não havia espaço para as mulheres.
Acho Digno: Quem são as suas
influências?
MC Priscilla Feniks: Me lembro que tudo o que tocava em casa tocava no
velho “rádio toca fitas vinil” no centro da sala. Eu não tinha meu radinho,
toca-fitas, walkman, etc... Tinha esse aparelho de som que tocava as músicas que
meus pais ouviam. Então acredito que minhas primeiras referências vieram daí:
minha mãe era fascinada por Michael Jackson e meu pai ouvia Louis Armstrong e
Gipsy Kings. Isso o que me lembro. Quase
toda noite, esperávamos meu pai chegar, porque ele pegava o violão e começava a
cantar: “mistérios da meia noite...” e “What a wonderfull world...”, inclusive
com a mesma tonalidade de voz do Louis. E eu adorava.
Quando fui ter meu toca-fitas e até um walkman, daí
conseguia gravar as músicas da rádio. Então conheci: 2Pac, RZO, Dina Di, Nde
Naldinho, DoctorsMcs, Jigaboo, Racionais,
Face da Morte, Snoop, Lauryn Hill e Queen Latifah, Ray Charles, Jorge Ben,
Tim Maia, Cassiano, Hyldon, Leci Brandão, vários sambas. Mas tem muito som que rolava no programa do
Brother Neni e que curtia muito: Run DMC, Wu tangClan, Mos def, e por ai vai.
Sempre fui mais de nacional do que internacional. Tudo isso faz parte de alguma
forma do meu som, mas não existe uma busca específica ou algum som específico que
me influencia diretamente. Vai da alma...
CD
R$10,00
*O
CD pode ser adquirido nos shows ou em eventos promovidos pela Frente Nacional
de Mulheres do Hip Hop. As músicas também estão disponíveis na internet para
download gratuito.
Crédito da Foto: Ricardo Carvalho
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